Reportagem: Será uma sociedade patriarcal e machista que alimenta o assédio ou será apenas uma coincidência?

Muitos são os estudantes universitários que continuam a alegar ter vivido episódios de assédio sexual na Residência Lloyd e presenciado atos de exibicionismo de índole sexual na Universidade do Minho. Em entrevista à advogada Carla Moreira e à psicóloga Gabriela Martinho tentámos perceber mais acerca desta realidade detetada no fórum académico.

À entrada do Campus Gualtar já conseguimos observar as reações dos estudantes ao ver os funcionários da função pública a cortar e a carregar os arbustos para a carrinha de caixa aberta em frente ao Edifício 1. O que antes era um cenário de práticas exibicionistas de indivíduos ainda não identificados, passa agora a ser um espaço mais visível para muitos dos que ali passam. Com o uso obrigatório de máscara na rua só somos capazes de alcançar o olhar de alívio de algumas raparigas que param para apreciar a miragem de uma nova segurança que as espera. No olhar de outras vemos a insatisfação em relação às medidas simplistas tomadas pelo reitor Rui Vieira de Castro.

A caminho do Edifício 2, ao encontro de um olhar especializado, deparamo-nos com um quadro de convívio em baixo da estátua do Prometeu, que deixa pequenos pingos de chuva cair. Risos. Descontração. Conversa. Tudo parece formar o ambiente utópico que se quer em qualquer universidade.

Aqui, dentro do CP2, já sentada nos brancos frios de chapa, Gabriela Martinho, ex-estudante da academia minhota, começa por definir assédio sexual como uma “série de comportamentos e atitudes, em relação a mulheres ou homens, para forçar um interesse ou um contacto sexual com outra pessoa”. É com base na sua vasta experiência que alicerça a afirmação de que são as mulheres que mais frequentemente sofrem com este tipo de práticas.

Com a certeza de que tudo na vida tem consequências, a jovem formada em psicologia revela-nos que os efeitos que um episódio de assédio pode causar na vítima são variados. Tudo depende do quão intrusivo o comportamento do ofensor for. “Os comportamentos podem passar do enviar flores, ao que tem acontecido aqui na universidade. A exposição de órgãos sexuais ou o assédio por parte dos funcionários no local onde se dorme. As sequelas mais comuns nas vítimas podem ser o medo, a híper-vigilância, a tristeza, a insegurança e o isolamento.”

Pessoas começam a entrar no complexo. Sentimos uma leve corrente de ar a correr-nos pela espinha, com a abertura e fecho das portas. Arrepios. De modo a perceber o que motiva os indivíduos a sentirem-se tentados a cometer atos de assédio, Gabriela faz uma breve reflexão acerca da sociedade e do porquê de se naturalizarem certas atitudes em relação ao género feminino. “A sociedade moderna ainda é muito patriarcal e machista. Há aquela ideia de que as mulheres justificam, com a sua forma de vestir, este tipo de atitudes. Na cabeça dos ofensores a maneira como me comporto, visto e bebo é declaração suficiente para o meu consentimento perante este tipo de ações. É esta sociedade que alimenta isto, assim como crenças machistas sobre o papel da mulher e a sua disponibilidade sexual.”

A visão jurídica do assédio

Num meio completamente mais formal, onde uma relíquia antiga distribui equitativamente o peso dos pratos para os dois lados, vamos ao encontro de uma visão jurídica do assunto em mãos. Considerado um crime semipúblico a questão do assédio sexual tem inundado as agendas mediáticas daqueles que seguem a vida na universidade minhota.  

Balança antiga, comprada numa feira de relíquias

A falta de confiança num sistema de justiça que vê a modificação das suas penas progredirem pouco a pouco e muito lentamente, leva a que muitos casos não cheguem sequer a ser reportados às autoridades. Complementando, a advogada Carla Moreira diz que “esses tipos de comportamentos são difíceis de serem provados, porque também não há um peso, nem uma medida. Qualquer situação, que não seja intencional, pode levar uma pessoa a dizer que foi assediada. Têm de existir situações mais concretas”.

Quando os casos de assédio acontecem e, há de facto testemunhas, qual o procedimento para se iniciar um processo crime? O procedimento é sempre o mesmo e está sempre dependente de se fazer uma denúncia ou queixa-crime, seja ela no Ministério Público ou nos órgãos de polícia criminal. Quando fazemos uma queixa e há testemunhas daquilo que estamos ali a denunciar, estamos em vantagem. Porque depois o Ministério Público ao iniciar a investigação e o inquérito, já tem a informação toda. Vai ouvir aquela testemunha, ela vai dizer o que sabe e depois está o caminho bem alinhavado para a acusação e não para o arquivamento. Quando fazemos uma queixa não se pretende que ela seja arquivada, quer-se que prossiga e vá até à fase de julgamento. Se for acompanhada de prova testemunhal já é meio caminho andado para isto acontecer.”

Citação da advogada

Quando informada acerca do assunto que mais decorre nos corredores da Universidade do Minho, Carla Moreira não cessa em declarar que, segundo a entidade patronal, o procedimento normal para o caso do funcionário da Lloyd é a suspensão. “A universidade vai ser sempre responsável. Se se tiver comprovado que é mesmo culpado, o funcionário em termos laborais e de responsabilidade perante a academia vai levar com um processo disciplinar e vai, obviamente, ser despedido. Depois tem a parte criminal e até da indeminização que terá de pagar às vítimas.” Lembre-se que sendo acusado, as vítimas têm um prazo de 20 dias para fazer um pedido de indeminização pelos danos causados.

Em termos de moldura penal, a advogada encerra a conversa referindo que “quem importunar outra pessoa praticando, perante ela, atos de caráter exibicionista, formulando propostas de teor sexual é punido com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias.”

Ondas de protestos na Universidade do Minho

O tema do assédio em contexto académico tem gerado grandes ondas de protestos no meio da comunidade estudantil. No passado dia 2 de dezembro, iniciou-se um movimento junto à estátua do Prometeu que teve fim junto ao Largo do Paço, local onde se situa a Reitoria. Os estudantes reivindicaram medidas que tornassem o campi mais seguro. No final conseguiram a atenção do reitor, algo que também fazia parte dos planos que deram inicio a esta manifestação.

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